segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

O Ser e o Vazio 1

O Ser e o Vazio

1

Ouvir a voz do tempo

A Existência humana e sua realidade cotidiana nos apresentam os conteúdos do ser natural e universal, e os detalhes de sua essência globalizadora e as diferenças de sua substância totalizante.
À margem desses conteúdos pensantes, discernentes e cognoscentes está o vazio da vida indefinida e o nada dos ambientes indeterminados.
No vazio do ser, a irrealidade de um viver sem sentido e a irracionalidade de um existir sem razões suficientes para se constituir, se propagar, se consolidar e se estabilizar.
Ali, o nada é a presença, o vazio é a essência, o silêncio é a transparência, a ausência é a consciência, a falta é o todo, o abismo é o mais fundo da realidade e o mais profundo da eternidade.
Sim, entre as fronteiras do ser e suas manifestações simbólicas e imaginárias, eidéticas e eustáticas, intencionais e insofismáticas, vivenciais e experienciais, e os limites do nada que nada para o mergulho no oceano das coisas vazias e dos seres faltantes, das instâncias silenciosas e das aparências ausentes, se encontram as relações entre as pessoas, as suas conexões internas e externas, a sua interatividade com a realidade, o tempo e a história, o seu compartilhamento de tudo o que é bom e faz bem à vida humana, à natureza criada e ao universo gerado, a cooperação mútua entre grupos e indivíduos que comungam das mesmas idéias e conhecimentos e participam dos mesmos interesses em jogo, a colaboração recíproca entre comunidades distantes e sociedades locais, regionais e globais, o intercâmbio de atividades conscientes e de exercícios reais e racionais, temporais e históricos.
A Realidade da experiência cotidiana nos oferece essa possibilidade de vida e essa alternativa de trabalho: ser mediadores entre o ser e o vazio, intérpretes das concordâncias ou não entre a essência e o nada, visualizadores das discórdias ou não entre a substância vivente e o vácuo sem alma.
Somos pois na vida intercessores junto a Deus, realizando e construindo o ser, o pensar e o existir, e ignorando e destruindo os antagonismos da existência, as antinomias da humanidade, as contradições da vida, as adversidades da realidade e as contrariedades da consciência, da experiência e da existência, identificados com a cultura do mal, da morte e da violência e com uma mentalidade que despreza a saúde das pessoas e o bem-estar pessoal e social.
Nessas relações de vida, que fazem a conexão entre o ser e o vazio, se acha a energia vital, a dinâmica do mundo, o movimento da natureza e o processo de vida móvel do universo.
Somos relações vivas.
Vivemos em situações intercambiantes.
Existimos a partir de interatividades que se completam e em função de compartilhamentos que se enriquecem e aperfeiçoam na ajuda de uns aos outros.
Somos operações interdependentes.
Tal verdade real nos afasta de uma vida sem sentido.
Então, o vazio foge de nós e o ser se enche de conteúdo humano e natural.
Até as pedras se integram dentro dessa realidade interativa.
Tornam-se pedras vivas.
Ajudam na construção do edifício do bem e da paz, o principal conteúdo do ser.
Somos essas pedras vivas, produzindo no seio das sociedades humanas a fraternidade universal e a solidariedade entre os povos.
É como se Deus viesse habitar no meio de nós.
Ele, o Ser sem vazio.

2

O Silêncio da Madrugada

Às vezes calar é melhor do que o ruído das palavras e o barulho das letras, pois temos necessidade de ordem interior, de disciplina mental e emocional, e de organização nos pensamentos e conhecimentos, e nada melhor do que uma vida de silêncio dentro de uma madrugada de obscuridades, de noite sem muitas estrelas, de trevas que fecundam a possibilidade de um amanhecer cheio de luz quando o sol chega para carregar de vida nossos nadas existenciais e nossos vazios espirituais. Então, silenciamos. E a madrugada faz-nos descobrir momentos luminosos que brilham diante da escuridão, gritando o farol de uma música celeste que chega para desvelar nossas noites sem chão nem teto, sem portas nem janelas, mas cujos princípios respeitam a grandeza de uma natureza iluminada por valores permanentes, absolutos e necessários, condições de um viver com sentido e de uma experiência que tenha significado profundo e verdadeiro para todos e cada um de nós. Ora, precisamos desses instantes esvaziantes que nos fazem sentir a falta da luz, que no vazio se transforma no melhor de uma vida transparente cuja razão de ser tem como alternativa um vazio de sentido autêntico pleno da verdade de nosso ser, pensar e existir. Sim, necessitamos do vazio ainda que o ser trabalhe com a plenitude das experiências reais e metafísicas e sua lógica permita a abundância de uma lógica onde os fenômenos ontológicos brilham a necessidade de se buscar preencher esses vazios físicos e sentimentais, materiais e espirituais, a fim de que nossas vivências temporais e históricas atinjam a riqueza de conteúdos onde o absoluto ocupa o tempo e o lugar de nossas faltas lingüísticas e faz-nos penetrar na essência da realidade de significado revelador de um ser e existência que se completam a partir dos vazios temporais de alternativas de possibilidade que nos fazem encontrar o sentido da vida. Nessas horas, até Deus tem um lugar, uma voz e uma vez em nossa interioridade. Somos vazios para a plenitude, nadas que se carregam da abundância do ser. Vivemos nessa dialética lógica e ontológica: a possibilidade de nossas vazios serem preenchidos pela totalidade e universalidade do ser e seus vazios potencializadores das possíveis belezas de uma vida interior de opções de qualidade, de conteúdo rico em substâncias ontológicas. Somos Ontologias perambulantes, que não ignoram seus vazios possibilitadores da abundância de uma experiência carregada de plenitude. De fato, precisamos do silêncio e de uma madrugada de vazios.

3

A Vida em Metamorfose

A Tradição filosófica e a metafísica ocidental, os parâmetros lógicos da Ontologia clássica e o modo de tratamento das categorias do pensar e agir, sentir e existir, defenderam um “além da física” estável e absoluto, eterno e necessário, constante e permanente, olhando pois o vazio da alma de forma tranqüila e segura. Todavia, os efeitos da globalização real e atual e as atividades e relações de interdependência entre povos e nações, comunidades locais e regionais, e sociedades abertas, nos revelam que o vazio do espírito convive com as diferenças da realidade e as mudanças e novidades do cotidiano, participando portanto de um mundo de metamorfose constante onde as ações humanas se dispõem ao lado de um universo de polivalências naturais e históricas, e de uma natureza de multifuncionalidades e culturas transitórias, céticas e relativistas, indeterministas e individualistas, ateístas e niilistas, refletindo por conseguinte uma realidade em transformação para melhor é claro, mas que suporta as contingências e efemeridades do tempo, as medidas provisórias da história, as instabilidades das pessoas, e a maneira insustentável de viver e se comportar de grupos e indivíduos variados, diversificados de região por região, obedecendo às definições da consciência e às indeterminações de uma racionalidade bastante vacilante, inconstante e sem chão, característica de uma modernidade tremendamente descartável. Tal ambiente de mentalidades obscuras e de culturas da instabilidade revigoram e nos fazem mergulhar no vazio da existência pois então vivemos a ansiedade por plenitude do ser e de uma vida de abundância no corpo e na alma, na matéria e no espírito. Assim caminhamos no nada espiritual e no vazio de uma existência cercada de transitoriedades e atitudes descartáveis, um universo de realidades contraditórias, de éticas inseguras e espiritualidades fracas, débeis e frágeis. Nesse intervalo de comportamentos instáveis e insustentáveis surge o vazio de uma vida sem fundamentos porém que busca por princípios e valores capazes de bem orientá-la para a existência. É um campo de vida onde as alternativas são obscuras, as oportunidades viáveis e as possibilidades ameaçadas por um contexto de neutralidade que anseia por sufocar os apelos da consciência humana por liberdade em todas as áreas da vivência de todos os dias, noites e madrugadas. Assim se impõe uma vida de vazio à procura de plenitude ontológica e abundância temporal e histórica. Abre-se então pois um mundo de novas e diferentes possibilidades.

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O Nada existe

Hoje de tarde, depois do almoço, seitei-me no sofá da sala de estar do meu apartamento para descansar um pouco e refletir sobre a vida e o trabalho, as pessoas e a sociedade, o movimento das ruas, a confusão dos supermercados e shoppings do bairro, a violência de bandidos e policiais em choque, as balas perdidas voando nas praças e avenidas da Cidade, o silêncio e a natureza dos campos, as boas relações entre as pessoas, minhas paqueras de sempre, minhas namoradas de plantão, o cotidiano carregado de problemas, conflitos e dificuldades, sonhos e realidade, desejos e necessidades, o tempo e a história, e o além na eternidade. Então fiz silêncio, Do meu lado, ouvi passarinhos cantando, os vizinhos brigando, o som das caixas dágua se movimentando, os gritos de crianças brincando e o bate-papo alegre e sábio de velhinhos e aposentados conversando como se estivessem de bem com a vida e em paz com as pessoas em seu entorno. Observei que no fundo do pensamento, na calma da alma e na tranquilidade do espírito, algo insistia em falar, mas que não era ouvido nem percebido, e apesar de ser ignorado tinha voz e queria vez nos ouvidos dos homens e nos olhares românticos das mulheres. Não sei o que era. Era alguma coisa que não conseguia identificar, contudo tinha vida, parecia desejar insistir em viver, existir e se manifestar a alguém. Gritava mas não escutava. Dizia algo mas acho que não dava para ouvir direito suas palavras e mensagem. Foi então que subitamente descobri que não era nada. Ou que era simplesmente o vazio das profundidades do ser e o nada das essências da realidade. Estava dentro do cotidiano, entretanto sua voz conseguia estar apagada, eram negros seus dizeres, ficavam mortas as suas palavras. Quem sabe um cemitério andante investido de velórios constantes e enterros permanentes. Mas não era nada. Sim, o nada existia. Seu manifesto se fez silêncio. No silêncio, acordei para aquela realidade. O Nada existe e é real.

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Hoje, esvaziei-me

Em casa, quando o silêncio tomou conta de mim, ignorei meus instantes na rua ou minha presença junto à família ou minha insistência no trabalho, e ausentei-me de mim mesmo, me esqueci do meu eu, e então ouvi lá fora o barulho dos carros gritando ruídos sem cessar, os passarinhos cantando uma linda melodia de entardecer, as pessoas e os vizinhos conversando como se estivessem em um botequim, as bombas de água do edifício onde moro soltando sons elevados como o rugir dos leões em plena floresta da África Setentrional. Eram 4 horas da tarde. Sentia-me oco por dentro e por fora. O Nada mergulhou em mim de um tal modo que minha consciência parecia não ter fenômenos mentais, meu pensamento estava sem idéias, meus conhecimentos desapareceram simplesmente, e olhei-me e me vi nu dentro do meu quarto de dormir. E olhava para as paredes tentando encontrar uma saída para aquele vazio profundo onde o silêncio vociferava alto e o nada insistia em se apossar de mim. Ali, encontrava-me dentro do oceano de uma existência carente, sem sentido algum, angustiada e triste, sem razões aparentes para se constituir em realidade cotidiana. Não havia significado para aquele momento. Via-me burro. Não entendia nada. As paredes talvez quisessem me falar alguma coisa. Então, pensei em Alguém Superior que pudesse me ajudar a sair daquela situação de crise espiritual, antes que o medo da vida se achegasse a mim, ou a aflição e o desespero se atirassem perante o meu corpo cansado, a minha alma fadigada e a minha mente esgotada de tanto tentar saber o que então estava acontecendo comigo. Estava nu espiritualmente. Surpreendentemente, uma luz interior sacudiu o meu espírito e acordei do meu sono metafísico. Novamente, brilhava a minha inteligência. E foi assim que fugi daquela prisão interna e deixei a escravidão da minha alma. Era Alguém que tocava o meu ser, movia o meu pensamento em lágrimas, e transformava para melhor aquelas circunstâncias indefinidas de realidades indeterminadas. Sai da confusão mental e emocional e outra vez voltei ao meu ego, agora controlador do meu íntimo e dominador das minhas experiências de dentro e de fora. E ao anoitecer lembrei-me de Deus, e em paz adormeceu a minha vida. No vazio, Alguém apareceu. Não sei o seu nome. Mas posso chamá-Lo de luz. Ele iluminou-me naqueles minutos e segundos de terror. O Terror da alma.

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